Macário Batista é jornalista das antigas, chegou em Congonhas, lá pelos idos anos 70, pra escrever uma novela para a saudosa Rádio Nacional do Rio de Janeiro sobre a vida do Zé Arigó. Acho que foi ele que me apresentou a profissão de jornalista,(esse "negócio" de diagramar jornal, de ir pra campo de futebol, de falar em rádio, de fotografar no melhor ângulo) e também a de bibliotecária, pela qual passei. Bom, quando ele conheceu esse blog quis comentar, mas o comentário é tão bom que merece um post.
Segue ai a história do Pastel da Tia Regina,
especialmente enviada para o Quitandas de Minas.
Aqui: http://www.oestadoce.com.br/?acao=noticias&subacao=ler_noticia&cadernoID=12¬iciaID=8250 você fica sabendo de onde Macário escreveu essa história e por onde ele anda.
O Pastel da Tia Regina
Tinha a casa da Tia Regina, enorme quando eu era menino lá na Praça João Pessoa, na Sobral do começo dos anos 50 do século passado. Tia Regina era a quituteira da cidade. Fazia tudo. Tinha festa no Palace, na AABB, dos 15 anos da filha dos ricos, dos casamentos chiques e lá estavam o bolo confeitado da Tia Regina, seus doces e salgados e, invariavelmente centenas de pastéis. Os pastéis da Tia Regina. Começavam a ser feitos de manha bem cedo, quando ela mesma ia ao mercado comprar a carne. Geralmente um músculo sem fibras que cortava em cubos de 3 centímetros mais ou menos. E chegavam na casa da tia Regina, algumas e alguns ajudantes quando a missão era grande demais. Pra cima de mil salgadinhos e mil docinhos, entre eles os farts (comida árabe que no Brasil só tem em Sobral) lá estava o exercito que tia Regina nem precisava recrutar. Então, ela refogava essa carne em nada. No bafo da própria carne. Quilos e quilos sendo refogados. A carne ficava branca e durinha. A conversa fluindo solta, os namoros, os maridos namoradores da cidade, os vestidos, as novidades encomendadas pelos convidados e festeiros, que Tia Regina também fazia arranjos pras mesas, vestidos e cabeças delas. Era uma danada a Tia Regina. E entrava o serviço dos mais fortes; moer aquela carne toda num moinho de alumínio branco, cor de alumínio, cê sabe, agarrado numa tábua que era pregada num canto de uma mesa, a mesa dos bolos e salgados da Tia Regina. Moída a carne, aquela coisa soltinha, pré-cozida, seria então temperada. Junto com os ovos, farinhas de trigo, sal e um pouco de bicarbonato que botava na mistura da massa dos pastéis, Tia Regina sempre tinha um agrado pros auxiliares. Quem batesse os bolos tinha direito a lamber a panela, quem abrisse as latas podia beliscar um pouco e quem tirasse o caroço das azeitonas ganhava as pontas. Foi ai minha desgraça. E vinham os temperos. Sal, pimenta do reino, azeite doce, banha de porco, coentro picado, cebola roxa bem picadinha, quase moída, alho e carinho. Olhe, o pastel da tia Regina era mais bem tratado do que a noiva, se fosse casamento de moça virgem, coisa que naquele tempo de vez em quando ainda tinha. Aquele mundaréu de carne cheirosa, empesteando de sabores a casa da Tia Regina, a casa da Tia Alice, a casa do Pai Vovô, a Casa da Dona Brígida e o meio da rua. Eram os territórios que faziam fronteira com o pais que era a casa da Tia Regina em dia de festa grande na cidade. A máquina de estirar a massa, que apanhava como que para confessar crimes que nunca cometeu, ficava na outra ponta da mesa. As ajudantes de Tia Regina iam abrindo a massa na máquina, uma duas, três vezes até que ela dizia que estava na textura certa e com a mesa branca de farinha de trigo, alguém se encarregava de cortar os pedaços , nunca maiores do que 9 x 5 cm. naquele compridão e ir botando as quantidades daquela carne temperada e levada ao fogo em fogo brando ate cozinhar e ficar soltinha, como deve ser soltinha todo e qualquer recheio de pastel, como ensina Tia Regina. Alguém vinha seguindo aquele ritual botando a azeitona. A azeitona, invariavelmente preta, era tirada de latas vindas de Portugal e descaroçadas pelo locutor que vos fala, porque eu adorava minha prenda. Com uma máquina, quase um alicate com uma ponta de um lado e um bojo para receber a azeitona do outro lado, um buraco pelo qual passava o caroço da azeitona, eu fazia o diabo na minha missão. Até que um dia o destino me pegou. Era uma festa tão grande, mas tão grande que no meio do caminho do descaroçamento das azeitonas do pastel da tia Regina, passei mal. Tive uma indigestão e tive que ser levado ao médico. Eu havia comido as extremidades de azeitonas de pelo menos 10 latas de um quilo. Não morri das extremidades das azeitonas mas todo dia morro de saudades do Pastel da Tia Regina.
Tinha a casa da Tia Regina, enorme quando eu era menino lá na Praça João Pessoa, na Sobral do começo dos anos 50 do século passado. Tia Regina era a quituteira da cidade. Fazia tudo. Tinha festa no Palace, na AABB, dos 15 anos da filha dos ricos, dos casamentos chiques e lá estavam o bolo confeitado da Tia Regina, seus doces e salgados e, invariavelmente centenas de pastéis. Os pastéis da Tia Regina. Começavam a ser feitos de manha bem cedo, quando ela mesma ia ao mercado comprar a carne. Geralmente um músculo sem fibras que cortava em cubos de 3 centímetros mais ou menos. E chegavam na casa da tia Regina, algumas e alguns ajudantes quando a missão era grande demais. Pra cima de mil salgadinhos e mil docinhos, entre eles os farts (comida árabe que no Brasil só tem em Sobral) lá estava o exercito que tia Regina nem precisava recrutar. Então, ela refogava essa carne em nada. No bafo da própria carne. Quilos e quilos sendo refogados. A carne ficava branca e durinha. A conversa fluindo solta, os namoros, os maridos namoradores da cidade, os vestidos, as novidades encomendadas pelos convidados e festeiros, que Tia Regina também fazia arranjos pras mesas, vestidos e cabeças delas. Era uma danada a Tia Regina. E entrava o serviço dos mais fortes; moer aquela carne toda num moinho de alumínio branco, cor de alumínio, cê sabe, agarrado numa tábua que era pregada num canto de uma mesa, a mesa dos bolos e salgados da Tia Regina. Moída a carne, aquela coisa soltinha, pré-cozida, seria então temperada. Junto com os ovos, farinhas de trigo, sal e um pouco de bicarbonato que botava na mistura da massa dos pastéis, Tia Regina sempre tinha um agrado pros auxiliares. Quem batesse os bolos tinha direito a lamber a panela, quem abrisse as latas podia beliscar um pouco e quem tirasse o caroço das azeitonas ganhava as pontas. Foi ai minha desgraça. E vinham os temperos. Sal, pimenta do reino, azeite doce, banha de porco, coentro picado, cebola roxa bem picadinha, quase moída, alho e carinho. Olhe, o pastel da tia Regina era mais bem tratado do que a noiva, se fosse casamento de moça virgem, coisa que naquele tempo de vez em quando ainda tinha. Aquele mundaréu de carne cheirosa, empesteando de sabores a casa da Tia Regina, a casa da Tia Alice, a casa do Pai Vovô, a Casa da Dona Brígida e o meio da rua. Eram os territórios que faziam fronteira com o pais que era a casa da Tia Regina em dia de festa grande na cidade. A máquina de estirar a massa, que apanhava como que para confessar crimes que nunca cometeu, ficava na outra ponta da mesa. As ajudantes de Tia Regina iam abrindo a massa na máquina, uma duas, três vezes até que ela dizia que estava na textura certa e com a mesa branca de farinha de trigo, alguém se encarregava de cortar os pedaços , nunca maiores do que 9 x 5 cm. naquele compridão e ir botando as quantidades daquela carne temperada e levada ao fogo em fogo brando ate cozinhar e ficar soltinha, como deve ser soltinha todo e qualquer recheio de pastel, como ensina Tia Regina. Alguém vinha seguindo aquele ritual botando a azeitona. A azeitona, invariavelmente preta, era tirada de latas vindas de Portugal e descaroçadas pelo locutor que vos fala, porque eu adorava minha prenda. Com uma máquina, quase um alicate com uma ponta de um lado e um bojo para receber a azeitona do outro lado, um buraco pelo qual passava o caroço da azeitona, eu fazia o diabo na minha missão. Até que um dia o destino me pegou. Era uma festa tão grande, mas tão grande que no meio do caminho do descaroçamento das azeitonas do pastel da tia Regina, passei mal. Tive uma indigestão e tive que ser levado ao médico. Eu havia comido as extremidades de azeitonas de pelo menos 10 latas de um quilo. Não morri das extremidades das azeitonas mas todo dia morro de saudades do Pastel da Tia Regina.
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